quarta-feira, novembro 19

Desafios da Judicialização da Saúde no Brasil

Um recente estudo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), intitulado “Diagnóstico da Judicialização da Saúde Pública e Suplementar”, revela que uma parcela significativa das solicitações de liminares e ações judiciais relacionadas à saúde está sendo atendida pelos tribunais brasileiros. Realizada entre agosto de 2024 e julho de 2025, a pesquisa mostra que 73% das liminares na saúde pública e 69,5% na saúde suplementar foram deferidas. Ademais, as taxas de procedência final chegaram a 84% e 87%, respectivamente.

Os dados foram apresentados durante o encerramento do IV Congresso do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde (Fonajus), realizado em Fortaleza (CE), nos dias 6 e 7 de novembro. O estudo foi conduzido pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ/CNJ) em colaboração com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), e sua apresentação foi feita pela consultora do PNUD, Luciana Silva Garcia.

Análise do Presidente do CNJ

No evento, o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, destacou a importância do Diagnóstico da Judicialização da Saúde como ferramenta para fomentar o diálogo entre as instituições do Judiciário, Executivo e Legislativo. Para ele, esses dados podem ajudar a encontrar soluções para o complicado tema da saúde no Brasil. “Devemos garantir o direito individual à saúde sem sobrecarregar financeiramente o sistema”, ressaltou.

Fachin também abordou como a crescente judicialização é uma expressão da busca do cidadão pelo direito à saúde, que é garantido pelo Estado. “A intervenção judicial não deve ser vista como um ativismo desmedido, mas sim como uma proteção diante da omissão das políticas públicas”, afirmou.

Reconhecimento Internacional e Ferramentas de Apoio

Outro ponto importante levantado pelo ministro foi o reconhecimento do direito à saúde pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, interpretando a Convenção Americana sobre Direitos Humanos de forma a conectar esse direito a outros, como o direito à vida. “Proteger o direito à saúde vai além das fronteiras nacionais e deve ser alinhado ao Bloco de Constitucionalidade e de Convencionalidade”, completou.

Fachin também elogiou a atuação dos Núcleos de Apoio Técnico do Judiciário (NAT-JUS) e dos Comitês Estaduais de Saúde, afirmando que representam a cooperação interinstitucional. “Esses núcleos ajudam a transformar conhecimento científico em suporte jurídico qualificado”, explicou. O presidente do CNJ enfatizou que a justiça deve avançar em soluções consensuais, afirmando que a mediação e conciliação em saúde são essenciais para superar obstáculos e garantir a justiça.

Dados da Pesquisa e Cenário Atual

A pesquisa combinou análise quantitativa e qualitativa, examinando dados da Base Nacional de Dados do Poder Judiciário (DataJud) e avaliando 1.992 ações judiciais, incluindo petições iniciais, contestações e sentenças, com auxílio de inteligência artificial. Entre janeiro e agosto de 2025, o Judiciário brasileiro recebeu cerca de 454 mil novos casos de saúde, sendo que quase 90% deles tramitavam na Justiça Estadual, o principal ponto de entrada para essas ações.

Durante o mesmo período, havia aproximadamente 880 mil processos pendentes, com um padrão semelhante. No que diz respeito à judicialização da saúde pública, entre janeiro de 2024 e agosto de 2025, o Judiciário recebeu cerca de 600 mil novas ações. A taxa de deferimento de liminares ultrapassou 80% em 13 tribunais, com seis deles apresentando taxas superiores a 85%: Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pará, Pernambuco, Piauí e Rio de Janeiro.

O tempo médio até a concessão da primeira liminar foi de 19 dias, enquanto o julgamento de mérito levou cerca de 304 dias após o ajuizamento. O Distrito Federal apresentou os menores prazos: liminares decididas em aproximadamente três dias e sentenças em cerca de 60 dias, totalizando um tempo médio de 130 dias para o julgamento do mérito.

Taxas de Conciliação e Questões na Saúde Suplementar

Apesar dos altos índices de deferimento, a taxa de conciliação é alarmantemente baixa, com 17 estados registrando índices inferiores a 1%. O Rio Grande do Sul, que possui o maior número de novos casos, apresenta apenas 0,1% de conciliações, enquanto Mato Grosso do Sul se destaca com um índice próximo de 26%. Nacionalmente, a média reflete uma cultura de mediação ainda baixa, possivelmente devido ao elevado número de liminares deferidas.

No que diz respeito à saúde suplementar, entre agosto de 2024 e julho de 2025, foram ajuizados 123 mil casos novos na primeira instância e 108 mil na segunda, com São Paulo concentrando quase 93 mil ações, valor que supera a soma dos processos da Bahia e do Rio de Janeiro. O percentual de liminares deferidas na Justiça Estadual foi de 69%, com destaque para os tribunais do Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Pará, que superaram 80%. Na saúde suplementar, 82% das ações também foram procedentes.

Desafios e Recomendações Futuras

O tempo médio de tramitação para essas ações varia: 17,1 dias para a primeira liminar, 253 dias até a sentença e 293 dias até o julgamento de mérito. A taxa de conciliação na Justiça Estadual para litígios contra planos de saúde é de apenas 3,8%, inferior à média de outras questões cíveis. Os temas mais abordados nas ações da saúde suplementar incluem medicamentos e tratamentos médicos, representando 69%, e pedidos de indenização por danos materiais e morais, correspondendo a 18,7% dos casos.

O estudo recomenda a promoção da mediação e conciliação em questões de saúde pública e suplementar, valorizando evidências científicas nas decisões judiciais e incentivando o uso dos NAT-JUS. Além disso, o CNJ sugere o fortalecimento de ações formativas e pesquisas que busquem integrar melhor o sistema judicial à regulação estatal na saúde.

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